Por volta de 1996, eu passeava na estrada das Paineiras cercada pela floresta do Parque Nacional da Tijuca, ao lado de meu amigo Dietrich Batista e de seu pai Dr. Eliezer Batista. Enquanto caminhávamos, Dr. Eliezer não só identificava o nome das árvores, mas também seus países de origem. Fiquei em estado de encantamento com seu conhecimento. Como um engenheiro podia entender tanto de plantas e da natureza? Ele tinha um pensamento holístico!
Quando passamos em frente ao famoso Hotel Paineiras, totalmente abandonado, comentei que eu estava fazendo um estudo de viabilidade para implantação de uma escola de cinema naquele imóvel. Foi quando, Dr. Eliezer Batista reconheceu em mim o espírito de uma empreendedora. Logo, me ofereceu seu apoio, sugerindo imediatamente alguns caminhos para concretização da escola. A partir deste momento, ele foi o respaldo necessário para a concretização deste projeto que, à época, poderia parecer uma aventura.
A escola foi um sonho sonhado junto com o antropólogo Darcy Ribeiro e inicialmente seria implementada na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que ele fundou em 1990, no município de Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro. A universidade segue existindo, mas a escola não chegou a acontecer lá. Seguindo as recomendações do Dr. Eliezer, fui procurar Dr. Raphael Almeida Magalhães, na Firjan. Bem mais nova, expunha meus planos na mais completa empolgação. Mas não existe nem uma sede…, disse-me. Isso não tem a menor importância, insisti. Dispomos de projeto!
Na minha saga de encontrar um imóvel fui capturada por uma edificação em ruínas – construída em 1914, na esquina das ruas Primeiro de Março e Alfândega, no Centro, pertencente à empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT). Imediatamente percebi que seria o lugar ideal para abrigar a escola. Convidei Dr. Eliezer e Dr. Raphael Magalhães para conhecê-la, mas nem conseguimos entrar, tal a sua degradação.
Após conseguirmos a cessão de uso pela ECT, revitalizamos o prédio e em 2002 inauguramos a Escola de Cinema Darcy Ribeiro com o conselho fundador formado por Dr. Eliezer, Dr. Raphael, Nelson Pereira dos Santos, Oscar Niemeyer, Cacá Diegues, Renata Magalhães, Marieta Severo e muitos outros. Até hoje, seguimos como uma instituição de excelência na formação audiovisual com o compromisso de democratização do ensino e aberta ao pensamento plural.
A importância deste que foi denominado o “engenheiro do Brasil” é conhecida por todos. Dr. Eliezer era um homem que fez parte da história contemporânea do Brasil. Com ele aprendi a lidar com as diferentes condições, articular com vários atores sem perder a essência.
Ao pensar e conhecer profundamente as questões estratégicas e potenciais do país, Dr. Eliezer tinha a visão da relevância do setor audiovisual para o Brasil.
Dificilmente teremos alguém tão singular que aliava sua sólida formação com uma impressionante capacidade de realização sempre pensando em territórios e sustentabilidade. Com seu pensamento holístico, falava na física quântica sempre incluindo afetos além da racionalização.
Escrevo agora sob o impacto de sua morte recente. A tristeza imensa misturada com a certeza de que ele é insubstituível me dão a sensação de vazio. Guardo dentro de mim muitos momentos divertidos com suas histórias e a alegria de poder ter desfrutado da sua sabedoria.
Fui visitá-lo no hospital um pouco antes de sua morte. Mesmo muito doente, ele cantava e ensinava opera em russo e em italiano para as enfermeiras.
Mais do que ninguém, me ensinou que tudo é importante porque reverbera no universo.
Dr. Eliezer conseguia unir pensamento estratégico, cultura, afeto e possibilidades… E foi assim até o fim.
(Por Irene Ferraz, diretora da Escola de Cinema Darcy Ribeiro)